A computação em nuvem força os programas a se transformar em um serviço. Saiba como Microsoft, SAP, Totvs, Linx e outras gigantes estão se adaptando ao novo cenário.
O software morreu. Em vida deve ter pecado pouco, pois sua alma foi parar nas nuvens do céu. Brincadeira à parte, a metáfora serve para elucidar um fenômeno que mexe com todas as áreas da tecnologia e enterrou as caras caixinhas. Agora, os programas agem como serviços e adotam um modelos de assinatura mensal ou anual. A contratação ou o cancelamento ocorre facilmente pela internet. Com um software instalado em um servidor acessado através da web, os processos dos usuários ficam mais eficientes e baratos – ao menos é o que juram os apóstolos dessa revolução.
“O modelo tradicional de software vai ser cada vez mais um negócio de nicho”, afirma Jorge Sukarie, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes). “O licenciamento do programa não faz mais sentido para a maioria dos usuários e empresas.” A consultoria americana Gartner estima que 50% das grandes companhias terão aplicações no modelo conhecido por computação em nuvem em 2017. No Brasil, a receita dessa modalidade vai passar de US$ 328,8 milhões, em 2013, para US$ 1,1 bilhão, em 2017, de acordo com as previsões da consultoria americana Frost & Sullivan.
Entre os fatores que ajudam a impulsionar o mercado, segundo o estudo, estão a redução de custos e o acesso aos dados em qualquer lugar. DINHEIRO teve acesso a uma pesquisa feita pela consultoria Teleco para a Embratel, revelando que 18% das grandes empresas possuem ao menos uma aplicação na nuvem. No caso das médias, o percentual cai para 14% e no das pequenas, para 6%. “Há dez anos, prevíamos que o acesso à tecnologia seria como água e energia”, afirma David Dias, executivo de novos negócios da IBM, empresa que faturou US$ 4,4 bilhões globalmente com serviços de computação em nuvem, montante que estima chegar a US$ 7 bilhões até 2015.
“Esse futuro está acontecendo hoje.” Para muitos especialistas, os pequenos negócios têm mais a se beneficiar com o fim do software da forma que se conhece atualmente. Afinal, as grandes corporações tendem a ter mais dados sigilosos e a resistir a mudanças em seu modo de trabalhar. Um caso que ajuda a explicar isso é o da rede de lanchonetes Rei do Mate. Desde janeiro deste ano, 237 das 336 franqueadas da empresa carioca operam suas lojas usando o software como um serviço (SaaS, da sigla em inglês).
“Hoje temos empresários com dez lojas que conseguem controlar facilmente tudo pela nuvem”, afirma João Baptista Júnior, diretor de franquias da Rei do Mate. A meta de Baptista Júnior é que 95% dos pontos de venda usem o novo sistema até o final do ano. “Desenvolvedor que não tiver esse tipo de solução está fora do jogo”, afirma Alberto Menache, CEO da Linx, que vendeu o serviço para a Rei do Mate. O modelo de software como serviço impõe um desafio no fluxo de caixa dos fornecedores de tecnologia.
Com o modelo de assinaturas, os desenvolvedores deixam de faturar com o pagamento de licenciamento, a forma pela qual são remunerados quando vendem um software. “As empresas agora devem priorizar a receita recorrente em vez das vendas sazonais”, afirma Laércio Cosentino, fundador e CEO da Totvs, a maior empresa de software de gestão corporativa do Brasil, que conta com 50% de sua receita como recorrente. Essa mudança também afeta outros elos da cadeia, como a distribuição dos softwares. A alemã SAP, que já tem 600 de seus cinco mil clientes brasileiros com solução em nuvem, conduz um trabalho de adaptação com seus revendedores.
“Pedimos que nossos parceiros revisassem seus negócios e estamos ajudando com seminários e treinamentos a reorganizar tudo”, afirma Sandra Vaz, vice-presidente de vendas da subsidiária brasileira da SAP. Com essa migração virando consenso, os olhos do mercado se voltam para a Microsoft, que ao longo de seus quase 40 anos de história construiu seu império com base na venda de caixinhas, como o sistema operacional Windows e o pacote de aplicativos Office. A companhia fundada por Bill Gates tem seu futuro questionado.
Afinal, ela ficou para trás na onda do software como um serviço, suplantada por empresas como Google ou Salesforce – que desde o primeiro momento aderiram à computação em nuvem. Não por acaso, em fevereiro deste ano seu novo CEO, o indiano Satya Nadella, saiu das fileiras da divisão de computação em nuvem. Em um memorando de seis páginas, Nadella não deixou dúvidas sobre para onde pretende levar a gigante de Redmond. “A Microsoft é uma empresa de produtividade e de plataforma para um mundo móvel e na internet”, escreveu ele.
“A transformação está bem encaminhada com a mudança do Office de desktop para serviço.” Ao mesmo tempo em que começa a levar seus programas para a web, a Microsoft não esquece suas vacas leiteiras, que ainda asseguraram boa parte da receita e dos lucros. “Queremos oferecer opções”, diz Alessandro Belgamo, diretor da divisão Office da Microsoft Brasil, assegurando que não há planos de parar de comercializar seus programas da forma tradicional. Para ele, o modelo de software como serviço permite flexibilidade de horários e acesso de múltiplos aparelhos, bem como de lugares variados.