Estamos vivenciando um processo convergente de mudanças tecnológicas muito rápidas e de alto impacto. Mobilidade, Big Data, Social Business e Cloud Computing vão mudar de forma radical a maneira como adquirimos e usamos tecnologias nos próximos anos. Mas, pela velocidade com que elas chegam, nem sempre conseguimos perceber seu alcance. Como exemplo, vamos separar um destes componentes, a mobilidade, e tentar fazer um voo panorâmico por suas implicações.
Primeiramente, afirmo que, como as demais tecnologias, a velocidade das mudanças é acelerada e tende a aumentar ainda mais. Em 2007 surgiu o iPhone e em 2009 o iPad. Estes dois lançamentos simbolizam esta estonteante velocidade. Em poucos anos, o que era visto como curiosidade, já faz parte das nossas vidas e está mudando nossos próprios hábitos.
Por parte de muitas empresas e profissionais de TI, a disrupção potencial da mobilidade ainda não foi percebida em sua plenitude. Em muitas situações TI levanta barreiras, impedindo as empresas de capitalizarem novas oportunidades que a mobilidade nos abre. A causa principal é o fato de a mobilidade quebrar pensamentos e processos arraigados, barreira difícil de superar.
Vamos olhar o modelo que dominou TI nas últimas décadas e formou a maior base dos profissionais que estão na gestão das áreas de TI. Antes da mobilidade, a computação era restrita a localizações físicas, os locais onde estavam os desktops. Para usar um computador pessoal nós tinhamos que nos deslocar para o escritório ou para nossas casas. Com os laptops, começamos a ter máquinas portáteis. Podíamos carregá-las para qualquer lugar, mas, claramente, a mobilidade ainda era restrita. Não se consegue usar de forma confortável um laptop em uma fila de embarque… As restrições físicas de acesso limitavam o desenho dos processos de negócio. Tínhamos que criar filas, pois as pessoas que teriam acesso à informação para cumprir determinada tarefa de negócio estava com seu desktop em sua mesa. E tínhamos que chegar até elas para obter esta informação.
Hoje temos um bilhão de smartphones e, em breve, chegaremos a dois bilhões. Também temos muitos milhões de tablets e seis bilhões de celulares. Isto significa que quase 70% da população do planeta pode se comunicar a qualquer momento, de qualquer lugar. Os dispositivos móveis já são parte integrante de nossa vida. Os usamos em praticamente todas as nossas atividades diárias. Aliás, se pensarmos bem, já saímos de casa apenas com nosso smartphone, nossas chaves de casa e a carteira. Em breve, tanto a carteira quanto as chaves estarão embutidas no smartphone. Bastará ele para nosso dia a dia.
Mas a disrupção provocada pela mobilidade ainda não nos alcançou em sua plenitude. Bem, na verdade já vemos claros sinais destas mudanças, que são verdadeiras transformações em praticamente todos os setores de negócio. Vamos pegar como exemplo o livro digital dos próximos anos. Hoje leio um livro no Kindle ou de papel e, após ler algum trecho, vou ao Wikipedia e ao Google pesquisar determinadas citações, fatos ou eventos que li, para me aprofundar no tema. Ora, imagine se no próprio livro isto for possível. Clico em cima de um nome de uma cidade ou de um personagem histórico e ele me leva ao Wikipedia e ao YouTube automaticamente. E se fosse capaz de me indicar novos links para me aprofundar no tema e compartilhar o parágrafo que me agradou com meus amigos nas plataformas sociais, como Facebook. É um novo livro, e cria novos hábitos de leitura.
No ambiente corporativo a mobilidade vai mudar os hábitos de trabalho e vai obrigar que os atuais sistemas sejam redesenhados para este novo cenário. Uma empresa, cada vez mais móvel e dispondo de smartphones e tablets para seus funcionários, não poderá ficar limitada a acessos restritos impostos pela atual padrão teclado-mouse dos ERPs, CRMs e outros sistemas, construídos para o mundo dos desktops. Estes sistemas foram concebidos quando surgiu o modelo cliente-servidor, no qual o cliente era um desktop Windows.
Assim, nas empresas, pela pressão dos usuários que utilizam interfaces intuitivas e simples em seus smartphones e tablets, os desenvolvedores vão ter que buscar um novo modelo conceitual para seus sistemas. Estimativas como a do Gartner, que apontam que nos próximos anos teremos quatro vezes mais projetos sendo desenvolvidos voltados para equipamentos móveis (leia-se smartphones e tablets) que para PCs e laptops, se tornam cada mais recorrentes. Esta aceleração de demanda, inesperada e aparentemente pegando de supresa muitos departamentos e gestores de TI, está obrigando as empresas a reciclarem seus profissionais, buscando novas estratégias, técnicas e tecnologias para fazer frente a esta necessidade. Discussões como as relacionadas à adoção do modelo HTML5 ou ambientes nativos, que há dois anos eram temas praticamente desconhecidos e ignorados pela maioria dos desenvolvedores, já são lugar comum nas “conversas de corredor”.
Os gestores de TI têm que tomar decisões rápidas, muitas vezes em cenários de incertezas. A simples migração de aplicações do desktop para tablets, com interfaces lipoaspiradas, não é adequada. O conceito e o design por trás revelam as claras diferenças de um sistema projetado para Windows e um para iOS. Além disso, os dispositivos móveis embutem tecnologias que permitem criar aplicativos totalmente inovadores. Por exemplo, começam a surgir aplicações, como a ShopAlerts, baseadas em tecnologias de geolocalização embutidas nos smartphones. Esta aplicação foi criada pela empresa americana PlaceCast, que oferece este serviço bem interessante, que envia mensagens de texto aos clientes de seus clientes (empresas como Starbucks, por exemplo) ao identificar que eles estão em determinada região próxima de uma loja, ao detectar a posição geográfica do seu smartphone. Segundo a empresa, 79% dos clientes que recebem a mensagem personalizada tornam-se mais propensos a visitar a loja.
A mobilidade também afeta os hábitos de trabalho. A consumerização desloca o eixo gravitacional do poder de adoção de tecnologias de dentro da área de TI para os usuários. O movimento mais emblemático desta ruptura de modelos é o BYOD (Bring Your Own Device) e, em breve, BYOC (Bring Your Own Cloud). A consumerização também começa a afetar as empresas aqui no Brasil. Hoje já somos o quarto país em número de smartphones e em mais ou menos dois anos seremos o terceiro, ultrapassando o Japão. Somos o décimo em tablets e, com a entrada de tablets mais baratos no mercado, subiremos rápido no ranking. Portanto, consumerização e políticas como BYOD/BYOC não são apenas para países desenvolvidos, mas sim uma questão que os nossos gestores de TI tem que começar a enfrentar já.
Claro, nada vem fácil. Temos o desafio da segurança. Surgem malwares e vírus para smartphones. Inexistência de politicas para BYOD também pode levantar questionamentos com auditorias. Mas, indiscutivelmente, a mobilidade está presente no nosos dia a dia, seja pessoal ou profissional. Aliás, torna-se cada vez mais difícil separar os dois lados da equação… Isso resultará em novos hábitos, novas maneiras de interação com a tecnologia, e isto deverá estar refletido nas estratégias de TI das empresas.
Sugiro fortemente que as estratégias de TI não ignorem a mobilidade. Não deve haver separação entre as estratégias de negócios, de TI e da mobilidade. O próprio impulso da consumerização também nos leva a outro aspecto da definição da estratégia: é absolutamente essencial que TI e as linhas de negócio desenhem as estratégias de TI em parceria. Incluir mobilidade na estratégia da organização é um passo além do que vemos hoje na maioria das empresas: ações táticas, de desenvolvimento de alguns aplicativos para atender a pressões emergenciais. O resultado será uma multiplicidade de ações desconectadas que serão uma bomba relógio. Diversas tecnologias, entrando por todas as janelas abertas na empresa, acabarão provocando curto circuito na gestão de TI, quando os usuários exigirem integração dos seus inúmeros aplicativos com sistemas legados.
TI deve dar um passo à frente e se posicionar como líder deste processo de transformação para uma “mobile enterprise”. Desenhar uma estratégia de mobilidade integrada à estratégia de negócios, redesenhando processos para aproveitar a potencialidade da mobilidade (eventualmente eliminando atividades não digitais), criar politicas de governança para este novo cenário (como criando e gereciando apps stores internas e criando políticas para download de apps stores externas) e analisar que tecnologias, técnicas e capacitações (design de interface man-to-machine é um novo skill necessário) serão necessárias para cumprir suas tarefas. Não deve repetir o mesmo erro de uns 15 anos atrás, quando do surgimento da Web. Na época, a maioria dos departamentos de TI deixou os primeiros sites ficarem a cargo de marketing, concentrando-se no que era mais importante, sob seu ponto de vista: implementar os ERPs. Depois tiveram que incluir os websites nos processos de negócio (comércio eletrônico), integrando aos ERPs, e isto demandou muito retrabalho.
Mobilidade não deve ser deixada sem governança e, portanto, TI deve assumir papel de liderança neste processo. Mas, atenção, não é replicar o modelo atual de controle e dos seus longos processos de homologação, mas considerar que a consumerização é um fator impossível de ser impedido, além de atuar de forma sinérgica com as áreas usuárias. TI não é mais o pastor das ovelhas, mas deve ser colaborador pró-ativo e orientador da adoção de novas tecnologias pela empresa.