Imagine entrar em um supermercado, encher a sacola de produtos e simplesmente sair da loja sem passar pelo caixa. Para ser melhor, só se não tivesse que pagar, não é mesmo? Só que não. Jeff Bezos voltou a surpreender o mundo do varejo e da tecnologia com a inauguração da Amazon Go, que irá revolucionar nossa experiência de compra.
Para continuar sua investida no varejo físico, Bezos patenteou uma tecnologia que permite, basicamente, identificar qual consumidor entrou na loja fazendo o scanner de um app no celular e, através do uso de câmeras e sensores instalados nos corredores e gôndolas, saber quem está em frente a qual prateleira e qual produto retirou para levar para casa. Simples assim.
A iniciativa da Amazon é apenas mais uma de um fenômeno que vem transformando o antigo modelo industrial de fabricar e vender produtos em uma só tacada. As gigantes da tecnologia já mandaram o recado: ou você transforma seu produto em serviço ou será engolido pela Internet das Coisas.
O avanço da Inteligência Artificial e do Machine Learning resultante da integração de hardware, software, data e cloud darão à luz produtos “servicificados” que colocarão na berlinda empresas seculares até então confortavelmente acomodadas na liderança.
O Google fabrica óculos que mede sua pressão sanguínea. A Apple tem um relógio que substitui sua carteira, entre outras funções. A Tesla fabrica carros autônomos, uma corrida disputada também pelo Uber, Google e outros players de olho no futuro do mercado automotivo, que, não duvidem, será apenas mais um impactado pela “servicificação” ou, como preferir, o Product-as-a-Service.
Neste novo modelo da aclamada quarta revolução industrial, o consumidor não quer mais apenas comprar um produto. Quer desfrutar de uma experiência única, feita só para ele. Quer estabelecer um relacionamento fiel com a empresa para ter acesso a um serviço que irá usar quando e quanto quiser.
E, claro, pagar somente o justo pelo acesso temporário ao produto, que pode ser sob demanda ou um pacote de assinatura ao invés de liquidar dolorosas parcelas para possuir algo que não precisa (e não deseja) ser proprietário.
Quer uma casa? Airbnb. Quer um carro? Uber. Música? Spotify. Não quer mais filas? Amazon Go. Filmes e séries? Netflix. Quer lavar as suas roupas? A Lavadeira.
It’s all about service and value, folks!
A indústria automotiva talvez seja uma das que mais evidencia o impacto da transformação digital. O Car-as-a-Service é uma estrada sem volta. A previsão é de que cada carro autônomo substitua até 10 veículos estacionados na garagem, sem uso.
Um estudo da IHS Automotive mostra que 12 milhões de carros sem motoristas estarão circulando em todo mundo até 2035. A regra, inclusive ecologicamente correta, será compartilhar. Dirigir será um hobby.
Sua casa também não será mais a mesma. A Home-as-a-Service contará com diversos equipamentos dedicados a monitorar cada movimento seu, seja para controlar as luzes e a temperatura, abrir as persianas, ligar a cafeteira ou para mandar um pedido ao mercado mais próximo porque sua geladeira indica que acabou a cerveja.
Quer melhor?
Em Dubai, a Red Tomato presenteia seus clientes com uma imã de geladeira que pode ser configurado pelo celular para registrar qual sua pizza favorita e os dados para pagamento.
Basta pressionar o imã, que se comunica com o telefone por Bluetooth e manda uma mensagem de texto para fechar o pedido. Aí é só esperar a redonda quentinha chegar. É o mesmo que o Amazon Dash. As marcas se transformam em um botão e a cobrança é feita diretamente na conta ou cartão do consumidor.
É muito mais do que simplesmente comer. É experimentar um serviço sem igual, totalmente customizado. É como a Lavadeira, um serviço melhor e mais barato que ter uma empregada doméstica.
Até mesmo empresas que conseguiram a façanha de posicionar suas marcas como sinônimos de categoria estão enfrentando a concorrência de empresas digitais com modelos baseados em serviços.
A Gillette, da Procter & Gamble, viu suas vendas orgânicas caírem 6% no último trimestre e foi obrigada a baixar os preços das lâminas de barbear para enfrentar a concorrência da Dollar Shave Club, startup criada em 2012 em casa por Michael Dubin, que começou comercializando on-line os barbeadores por assinatura ao preço de 1 dólar cada.
O crescimento foi impressionante, exponencial. Em 2015, as vendas foram de US$ 152 milhões e alcançaram cerca de US$ 200 milhões em 2016. Não deu outra. No ano passado, Dubin fez barba e cabelo vendendo a startup por estimados US$ 1 bilhão para Unilever. E pensar que tudo começou com um vídeo engraçadinho que chegou a mais de 24 milhões de views e custou míseros US$ 4,500.
Quanto sua marca gastou com sua agência no ano passado e quais resultados concretos conquistou em vendas ou satisfação dos consumidores?
Com a queda nas vendas, a Gillette anunciou há poucas semanas que rebatizou seu clube para Gillette on Demand, reduziu os preços, está oferecendo frete grátis para alguns produtos e lançou a promoção “uma de graça a cada quatro pedidos”. Agora, para fazer a encomenda, basta mandar uma mensagem de texto com a palavra “BLADES”.
É, não adianta mais apostar no lançamento de um novo produto com duas, três ou quatro lâminas. Contratar o Neymar e investir pesado na TV não é mais garantia de liderança. Uma startup que começou no quarto de casa ameaça uma marca com 116 anos de história.
E o jogo não muda apenas no B2C
No B2B a “servicificação” também irá romper contratos que antes tinham alto impacto nos custos de manutenção e na perda operacional por conta de equipamentos quebrados e mais tempo fora de serviço.
Com o monitoramento em tempo real dos motores de seus clientes no segmento aeronáutico e marítimo, a Rolls Royce oferece um Long-Term Service Agreement (LTSA) que mudou o pós-venda.
Ao invés de manter uma custosa estrutura fixa para cuidar dos consertos dos equipamentos, os clientes contam com o TotalCare, uma manutenção “power-by-the-hour” com preço fixo que presta atendimento quando necessário.
O serviço só se tornou possível porque a fabricante conseguiu reduzir as ocorrências mais sérias com o acompanhamento do ciclo de vida das máquinas e uma política de prevenção.
Pois é, Internet das Coisas
A Amazon amargou prejuízos durante anos com seu modelo de marketplace, mas encontrou no AWS – Amazon Web Services a salvação da lavoura, fornecendo serviços em cloud, ou, se preferir, IT-as-a-Service.
No segundo trimestre de 2016, a empresa viu suas ações saltarem de 19 cents para US$ 1,78 comparado com o mesmo período de 2015. O resultado da sua divisão cloud saltou de US$ 305 milhões para US$ 718 milhões em um ano, superando a divisão de varejo.
A Dell Technologies também está “pivotando” seu modelo para oferecer em cloud produtos como serviços. Ao invés de pagar um valor fixo, o cliente desembolsa apenas pelo que consome.
Na mesma direção, a GE embalou seus produtos como soluções de data e digital, acelerando sua presença na Internet das Coisas com a plataforma Predix Cloud.
Não é somente a Gillette, com um produto de plástico e três lâminas, que não está livre de ser degolada por uma empresa disruptiva. Setores tradicionais outrora dominados por negócios considerados indestrutíveis estão boquiabertos e perdidos em como embarcar na inovação.
Os bancos estão sendo ameaçados pelas fintechs, os hotéis desocupados pelos aluguéis de temporada e as montadoras atropeladas pelos carros compartilhados.
É bom despertar e rápido: para sobreviver de nada adianta ter apenas um killer product.
É preciso um killer service.
Por Omarson Costa